quinta-feira, 31 de maio de 2012

Um pouco só de sacanagem (parte 6)

Ainda meio tonto, num quarto praticamente em completa escuridão, podia sentir um filete quente que lhe escorria pelo canto esquerdo da boca. Imaginou ser sangue...
Tentou levantar mas a sonolência excessiva e as algemas que o prendiam na cadeira impossibilitavam de ter qualquer reação mais brusca, qualquer sinal de força. Ainda confuso, fez um esforço enorme para voltar algumas horas no tempo e entender como havia parado ali. Não tinha forças pra gritar e uma fina fresta de luz adentrava pelo lugar, uma luz vermelha, baixa e confusa.
Fechou os olhos com força tentando se lembrar de algo.. o que lhe vinha a mente era aquele olhar no retrovisor. Lembrava-se dele perfeitamente, não havia como confundir se os visse novamente.

Lembrou que estava no trânsito, congestionado e tedioso... um carro novo entra em sua frente e ele pensa em expurgar todo o seu sentimento de raiva quando observa o reflexo do retrovisor deste mesmo carro..
"Que par de olhos.." - pensou.
E realmente eram belos, os mais belos que já tinha visto. Resolveu guardar a raiva que se transformava logo em tesão e uma mistura de curiosidade. Eram dois pares de olhos femininos, tinham uma aparência ao mesmo tempo sensuais e desafiadores.
Pensou naquele par de olhos olhando-o de outras formas, de outros ângulos... percebeu que era retribuído com um incessante olhar fixo no espelho do carro, piscadas leves e talvez propositalmente eróticas.
Seria coisa de sua imaginação, pensou... devia ser o trânsito. Resolveu olhar os outdoors, as placas, o Camaro que estava parado ao seu lado, pintura fosca e listra preta. Seu sonho de consumo. Consumo distante..
Sabe que distraiu-se apenas um ou dois minutos, no máximo.
Os olhos ainda o seguiam pelo retrovisor. Como seriam os cabelos? Alta, magra, baixa, gorda? Os olhos eram tão cativantes que ele mesmo despia-se de todos esses padrões se fosse necessário, apenas para adentrar naqueles olhos de uma maneira perturbadora.
Seu telefone toca, era a ex-mulher reclamando que a pensão do filho estava atrasada... seu nível de concentração obcecada por aquele par de olhos o fez dizer "sim" e "não" algumas vezes, pouco importava a sua penalidade, a sua falta com a ex-mulher, o seu dinheiro.
Queria o par de olhos mais perto, tão perto ao ponto de que os lábios se encontrassem e seus corpos formassem uma única peça rara no espaço da imaginação, da liberdade não-condicional...

Agora estava ali, preso ao que deveria ser uma cadeira, algemado, quarto escuro e sangue escorrendo-lhe pela boca amarga.
A fresta de luz vermelha aumenta, um corpo adentra na sala quente e senta em seu colo...

Não era raro alguma mulher que passasse chamar a sua atenção.. mas naquele trânsito e aqueles olhos... era algo inimaginável em sua percepção, em seus desejos mais íntimos..
Soltou instintivamente o sinto de segurança.. destravou as portas.. carros começam a andar em um ritmo lento, mas o movimento o impedia de descer do carro. Continuou com o fluxo, 18:45h, o trânsito buzinava, vociferava, agredia, estressava, alucinava. Mas o par de olhos castanhos claro o seguiam incessantemente e era hora de tomar uma atitude, ou seja lá o que fosse aquilo.

O corpo que sentou-se em seu colo começa a beijá-lo de forma quente e lenta... Mesmo em seu estado, parecia gostar daquilo. Quem era ela? O que aconteceu?
Não sabia se era dia, noite, tarde, madrugada.. mas os lábios quentes transformaram-se logo em uma diversão ousada para aquela ocasião e ele viajava imaginando o corpo, os olhos, as mãos.. nada importava, nem mesmo o fato de estar algemado sem saber quem o tocava...

Quando teve a oportunidade, encostou o carro em uma rua próxima e correu. Correu em direção ao carro dos olhos... As portas estavam destravadas, ele entrou e logo o par de olhos mostrou-se muito mais que apenas olhares. Os trincos das portas fecham-se. Silêncio.
O que ele estava fazendo??!? Tinha enlouquecido, pensou..
Até que ela lhe mostrou para onde aquilo tudo iria dar. "Mais uma aventura", pensou. "Estou no lucro".
Essa ele teria que contar pra alguém.

O quarto escuro e a proporção de prazeres que tomavam conta daquele momento onde ele, imóvel e imobilizado nada podia fazer a não ser sentir, admirar em sua imaginação e dar o poder pra alguém, algo que não fazia nem no seu trabalho.
Sua onipotência não o deixava descansar, ser mais leve e pensar nas coisas mais valiosas da vida..
Era uma mistura interessante de prazer.. não tinha medo, mas queria poder usar suas mãos, seus próprios meios... mas não podia.
Seus sentidos estavam aguçados demais para conseguir pensar em alguma coisa...
Toda a genialidade daquilo que ele realmente não conseguia explicar terminou com um tapa bem dado em seu rosto, tão forte que ficou abobado e não reparou que suas algemas tinham se soltado.
O corpo, par de olhos, mulher... acendeu a luz baixa do lugar e ele pode ver que era uma espécie de sala de TV. Ela estava nua e ele finalmente pode ver suas curvas mais delineadas, mais interessantes até que os próprios olhos... um conjunto inexplicavelmente em sintonia.
Acendeu um cigarro, sentou-se próxima a ele em uma pequena poltrona de canto. Fitava-o com os olhos que antes o figaram para aquele lugar.
Soltando a fumaça graciosamente do cigarro que tragava com toda a calma do mundo, o fitava com um sorriso de canto de lábio.

Ele não conseguia entender muito bem aquilo tudo, mas gostou. "Quanto volto?"
"Nunca mais, querido".

Sentiu-se tão impotente diante daquela situação, daquela mulher...
Levantou-se, procurou a saída do apartamento, que mostrava-se tão comum que lhe assustava.

Até hoje procura por estes pares de olhos no trânsito, nas ruas, mas sabe que foi como ganhar na Sena.


segunda-feira, 28 de maio de 2012

Visão de dentro

Sai do banho, os pingos d'água que escorrem pelo seu corpo faz com que muitos desejariam sê-los naquele momento.
Secador, creme, maquiagem, batom.
Perfume, suave, lingerie, paciência e pensamento longe..
O limite entre o absurdo e a vaidade se perde no seu pensar, suas unhas pintadas da cor que mais gosta agrada a maioria..
Luxo, riqueza, sonho, desejo, anseio de viver melhor.

Um beijo em sua filha que dorme como um anjo, inocente e bonita como as crianças devem ser.
Alguns passos, observa-se mais uma vez no espelho, vestido justo, decote que realça o movimento natural dos seios, corpo considerado escultural pela maioria.
Tudo certo na checagem.
Bolsa, lenço, documento, paciência.

O celular toca silenciosamente, ela sabe que é a sua hora de vender o que nunca quis para ganhar o que sempre sonhou.

Olha para a filha que dorme solta como uma estrela silenciosa no sofá da sala com a TV em um canal desses de desenhos infantis.
Sempre quando pensava em desistir, a resposta era ela.
Sai silenciosamente, encosta a porta.
Chave, pulseira, dor, cadeado.

Elevador, espera, ansiedade, impaciência.
Na portaria, observa o carro que aguarda o seu prazer em troca de notas azuis.
Eram sempre bem-vindas, mas o melhor momento era o fim daquilo.
De volta para a sua cama, casa, filha, TV.

Fecha o portão e entra no carro.
As mãos que deslizam por sua coxa não são aquelas que tempos atrás a faziam sentir mais mulher.
A dor de deixar para trás a janela do apartamento com as luzes da televisão era compensada pela necessidade de fazer aquilo tudo acontecer.
O pré-julgamento, a dor de viver.

Nem tudo é o que parece e nem tudo o que parece gosta de ser assim.
Momentos de visões deturpadas, luzes baixas, prazeres alheios.
Essa era a missão, quem sabe, com um pouco de sorte, conseguiria prazeres também.
Mas quase nunca era o que desejava encontrar pela frente.

Discrição, peso, maquiagem borrada.
As pernas que antes estavam embebidas de creme hidratante agora eram cansadas e secas.
A hora de voltar, receber, ser novamente por algum intervalo.
Desta vez não tivera a sorte do prazer, quem sabe no próximo passo da mesma noite.

Cada um com o seu peso de viver.




sexta-feira, 25 de maio de 2012

No espelho

Quer alguém mais cúmplice do que a sua imagem no espelho?
Me olho, me enxergo, encaro no olho a olho, me dispo de toda a roupa que acompanha meu corpo nessa jornada complexa da vida. Canto alguma canção pelado, imitando Elvis, talvez Ney Matogrosso. Posso até imitar eu mesmo se quiser. Vai do gosto.
O espelho me mostra até o que eu não quero enxergar, ele conhece meus pontos fracos, minhas veias saltadas, minhas manchas, minhas fraquezas. Mas conhece também o lado bom, a silhueta, o perfil e o frontal, a mesmice e a mudança, o novo e o velho.
Sabe que no fim do dia, ao encará-lo de frente, está por vir uma pequena reflexão, ainda que resuma-se a fazer a barba, lavar o rosto ou escovar os dentes. Ele sabe se você não escovou direito, se fugiu da academia, se bebeu demais ou comeu de menos.
Ele te diz que você precisa cortar o cabelo, espremer uma espinha, sorrir mais.
É tão cruel quanto real, que muitas pessoas tem medo de espelho mas encaram-no o dia todo, como se sua insegurança fosse reforçada pela opinião de um terceiro que se admira, mas enxerga mais defeitos que qualidades e quer esconder suas "imperfeições", seja lá o que isso for.

O espelho te mostra que beldades são raras... aliás, quem são beldades?
Posso ser uma se eu quiser. Posso ser o que eu quiser e enxergar no espelho, antes que ele se quebre com a suposta feiura. Posso inventar ser James Bond ou pegar o desodorante e fazê-lo de microfone achando estar perto de um cover fiel do Sidnei Magal... Posso contar uma piada pra ver como minha interpretação será na hora ou ensaiar um discurso de amor daqueles que quando se chega perto da pessoa esquece de tudo e acaba improvisando coisas terríveis e sem sentido, mas que são muito mais bonitas do que os ensaios no banheiro.

E o espelho está lá, todos os dias, todas as noites. Não foge por você aparentar o que é. Na verdade, se alguém tivesse que ter o direito de reclamar de você, seria ele.
Mas não, cala-se, encontra a sua cabeleira desarrumada, os seus olhos sujos e seu bocejo escancarado e nada diz, apenas mostra o que vê.
E sempre é bonito.




terça-feira, 22 de maio de 2012

Inferno particular

Haviam corpos espalhados, de todas as cores, de todos os tamanhos... espalhados e pronunciando alguns sons não tão identificáveis a primeira impressão. Onomatopeias, na verdade, em forma de sussurro, em forma de gritos..
Não consigo me lembrar exatamente do cheiro que tinha esse lugar, mas era uma mistura fina de coisas pesadas, pessoas pesadas, mentes pesadas que emergiam de uma imaginação fértil e sem nenhuma vergonha de ser quem eram, de interpretar as personagens que escolheram para representar na vida.
Algo sem lei, documento, registro e burocracia. Essa era a parte cativante, estimulante. Visualmente, aliás, de primeira, parecia algo interessante em que você sente desejo de jogar-se sem medo de ser feliz, ou pensar em ser.
Não há como saber se era felicidade, pecado ou diversão, apenas. Só perguntando para aquelas pessoas, aqueles corpos quentes que emergiam de seus movimentos contínuos e danças abstratas que ora sensualizavam, ora se perdiam nos próprios passos e caíam no chão. Mas ninguém aplaudia, cada um entendia,de certa forma, o seu próprio espaço e o seu direito de ir e vir, dançar e ser.
Mesmo os que estavam mais em outra dimensão do que nesta, mesmo os que tomavam substâncias de procedência duvidosa, mesmo os que acreditavam não estar lá... nem eu sabia se estava ou não.
Passando de um lugar para o outro, via que não tinham vergonha, medo ou dúvidas. Eram seguras de suas atitudes, ainda que não aceitas pela sociedade cada vez mais careta e hipócrita. Talvez na televisão você já tenha visto coisas mais pesadas que isso. Talvez não, com certeza.
Tudo aquilo que sempre quis dizer, diziam, tudo o que você queria fazer, faziam... Pode ser que o preço pra que isso aconteça seja um tanto alto e o custo não é pra qualquer um bancar a ideia de ser assim.
Por quanto tempo eu observava tudo? Não me lembro...
Talvez tenha dançado também, caído traçando minhas próprias pernas correndo de medo de alguém invadir minha liberdade... incômodo por alguém me observar ser quem escolhi representar para aquela ocasião.

Talvez...



segunda-feira, 21 de maio de 2012

Tribo

Vi na televisão há alguns meses atrás que um canal aberto iria transmitir um reality show diferente, chamado Perdidos na Tribo.
Só pela chamada para o programa achei interessante e pintou uma ponta de esperança da minha parte com essa mídia que eu tanto falo mal. Acabei assistindo aos episódios através do YouTube porque achei mais fácil, mas desde que comecei a acompanhar o programa, apesar da ideia não ser brasileira obviamente, me surpreendi com duas coisas.
Primeiro, a realidade e a abrangência cultural que um programa desses traz pra nós, mesmo sendo o reality. Segundo, o prêmio de apenas 250 mil reais...

Enquanto a galera toma sol, se masturba e faz brigadeiro nos outros realitys e ganham 1 milhão, neste as famílias tem que ser aceitas por tribos estrangeiras, caçar, buscar água, aceitar costumes e novos modos de vida para tentar entrar para a tribo, que envolvem não tomar banho, rituais e seguir ordens de pessoas que nem sequer falam a sua língua.
Claro que o investimento do programa é menor por causa de uma audiência respectivamente inferior aos realitys que nada nos trazem de informação ou algo interessante.Mas se você reparar ao seu redor, pode entender o motivo de um fazer tanto sucesso e ter tantos investidores enquanto o outro caminha por audiência e é transmitido apenas uma vez na semana. Eu achei realmente incrível a ideia do programa e recomendo a todos que sentirem vontade de assistir, basta procurar no YouTube por "Perdidos na Tribo" (a versão brasileira é transmitida pela Band).

Fim.



sexta-feira, 18 de maio de 2012

Um pouco só de sacanagem (parte 5)

Por toda a parte podem haver olhos, até os que não os seus pares... tudo pode ser motivo para enroscar, prender, abafar, abaixar, rasgar...
Desce pela pele, macia ou seca, percorre o teu suor em um nível que faz pensar em uma sauna cheia de gente, te olhando ou não.
Um simples afago pode tornar-se um apego que desce pelas mãos quentes até encontrar o teu valor secreto que nem sabia existir e nem descobriria sozinho como chegar até lá, mas te mostraram o caminho.. e nunca mais esquecerá.
Da próxima vez saberá exatamente como conduzir as mãos que te guiaram antes e que pareciam tão mais experientes que os seus próprios toques.. enfim, tudo é uma questão de instinto. Com paixão, o instinto guia cegamente as extremidades.
Elas são tão importantes que seu cuidado, sua leveza, se fazem fundamentais quando de encontro com a outra pele que não a sua, mesmo que aperte ou puxe. Tudo tem sua medida inexata e depende de muitos outros fatores singelos.. coisas tão pequenas que podem tornar-se tão intensas como um frasco de veneno em forma de saliva doce.
Doce saliva, como preferir. Doce ou salgado, até o clima interfere na preferência e altera o sabor mais exato prescrito desde a sua nascença até o que te fez hoje. Visualmente, com muita ou pouca luz. Apesar do que se mostra, a estrada cega é a mais comum que pode acontecer se tudo for realmente natural.
Nada de precisão, mas tudo tem de ser bem feito, sem planejar. Algo como se o acaso fizesse seu discurso com a perfeição das curvas que dominam o corpo o mais beneficiado pela mãe natureza só que de uma maneira discreta onde você entenda somente nas entrelinhas que aquilo tudo levou ao teu desejo de estar junto e despido das vergonhas trazidas pelo homem branco quando chegou as terras brasileiras avistando os seios das índias pintadas.
No reflexo do espelho não mede-se o desempenho, apenas observa-se o rosto, as formas que ele toma a cada parte do seu toque e da sua saída mais próxima para o próximo atalho.. uma mudança leve no trajeto e tudo fica de outro jeito. De preferência pra melhor.

Mas você não pensa que tudo pode ser tão sutil como realmente aparenta. De fato pode não ser.. mas só há uma maneira de descobrir e ela não dispensa a presença, quebrar regras ou padrões.

Ela delicia-se da maneira politicamente errada em ser chamada de sacanagem.


terça-feira, 15 de maio de 2012

Vida Doce



Aguardo a chegada de um cliente por aqui... vou contar uma história.

Há um ano atrás eu estava com uma lesão séria no ombro junto com a tendinite amiga por causa do excesso de trabalho e exercícios físicos. Hoje não recomento estes excessos a ninguém, seja por dinheiro, seja por vontade.

Ganhei muito com tudo isso, mas a saúde foi ficando pra depois. Quando percebi que minha vida estava sendo prejudicada (desmarquei clientes de praticamente um mês inteiro) e eu, na faixa dos vinte estava com uma lesão dessas, resolvi procurar ajuda médica.
Sem brincadeira nenhuma, passei por onze médicos e somente o décimo primeiro soube me diagnosticar corretamente e "acabar" com o problema, já que eu estava agendado para uma conversa com um cirurgião. Foi indicação de uma amiga, em um churrasco onde estava indo embora mais cedo por não parar de sentir fortes dores... precisava dos meus analgésicos. Tratei com acupuntura e sim, ela funciona, pessoal.
Depois de tudo, diminuí o ritmo frenético de trabalho, aprendi a fazer refeições sentado, aprendi a meditar e a ser mais paciente, a enxergar novos horizontes e a entender um pouco melhor essa loucura que é a vida.
Tive que acreditar. Só aqueles que estavam mais perto de mim e que são MUITO importante pra todo esse mecanismo da vida funcionar, sabem o que eu passei. Acreditei em mim, nas pessoas queridas, na vida e nos profissionais. Ter fé, acreditar, enfim, chame do que quiser, aqui eu nunca pregarei sobre religião ou filosofias complexas, isso é muito pessoal

Enfim, esse vídeo é uma canção de Marcelo Camelo, que eu toco em comemoração à minha volta pra música, que tive que abandonar durante todo esse período. Não foi nada fácil!

Não é pra fazer sucesso, eu não vivo disso: se você não gostou, pelo menos leu até aqui e eu achei graça.

Levantem seus copos.
A vida é doce, acreditem.


domingo, 13 de maio de 2012

Tatuador... e mais o quê?!

Coloco em palavras nesta madrugada algo que acredito acontecer com muitos profissionais, a famosa pergunta: "Ahh, você é X e mais o quê?!" como se o que você faz não fosse profissão.
E hoje, vos digo, amigos, inimigos, leitores fiéis e esporádicos: sim, SOU "APENAS" TATUADOR, pra quem já sabe e pra quem não sabia, fique sabendo.
Eu já limpei chão, banheiro, descartei materiais do estúdio em que trabalhava, enquanto estudava de noite e tatuava de madrugada os amigos em casa para no dia seguinte continuar com a mesma rotina, acreditando estar subindo um degrau de cada vez. Não para ganhar prêmios e badalações, mas por um merecimento e estabilidade profissional. Fazer o que se gosta, principalmente quando o assunto é arte, é difícil e todos sabem.
MAS graças a uma força superior, não me questionaram isso muitas vezes: foram APENAS 3. E também graças a minha consciência e auto-controle, não fiz o que passou pela minha cabeça quando escutei a pergunta.

Gente, sem lamentação, sem mimimi's, minha ideia é simples: você deve respeito ao profissional com quem estiver lidando, independente de onde, quanto ou por qual motivo foi procurá-lo. E este é um detalhe IMPORTANTÍSSIMO - você foi procurá-lo, ele não foi atrás de você!
Se você já fez essa pergunta pra algum profissional, considere-se babaca. De verdade, um invasivo babaca com uma série de preconceitos nesse cérebro que está prestes a explodir com tanta informação burra.
Em primeiro lugar, você não precisa saber o que o cara faz da vida dele, se ele quiser ser drag queen de noite, o que você tem a ver com isso?
Em segundo lugar, tudo é uma questão de bom senso.

Duvido que quem faz esse tipo de pergunta, já a fez para o seu advogado. Estou errado?!
Isso vem de uma série de conceitos estabelecidos e, pior, FALTA DE LIMITE, que esse tipo de pessoa não teve durante a sua criação. Quem deu essa intimidade pra essa pessoa? Se você, profissional questionado, abriu oportunidade pra um questionamento desses, sem problemas.
Mas a pessoa invasiva não se contenta em estar e ser, simplesmente. Ela quer mais. E neste mais, muitas vezes incluem-se questionamentos impensados.

E se você acha que me perguntaram isso ontem, semana passada ou ainda neste ano, estão enganados.
A última dessas que eu ouvi foi há 2 anos atrás, quando eu já vivia "apenas" com a tatuagem.
Mas conversando com uns amigos o assunto foi lançado no ar e me lembrei dessa história toda... resolvi compartilhar!
Assim como eu não saio enfiando cartões de visita na cara das pessoas, o mesmo respeito deve haver na outra parte.
Fica a dica pra galera que pensa assim, ter a chance de pensar duas vezes antes de perguntar algo pra alguém, principalmente se não tem intimidade e liberdade suficiente com ela e pra quem não pensa, fica meu desabafo!

Meu total apoio ao ARTISTA BRASILEIRO que vive direta ou indiretamente da arte e sabe que esse é um CAMINHO DE PEDRAS para todos nós! Músicos, poetas, pintores, tatuadores, grafiteiros, rimadores, desenhistas, artesãos, tias do bordado... seguimos na estrada!
Cada um guarda pra si o que faz da vida e compartilha se quiser.

RESPEITO.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Realidade viva

Saio pra correr, como habitual. Tentando conectar a vida boêmia com a de um atleta amador...
O traje é preto, como a rotina (que eu não tenho) manda na maioria das vezes. Gosto da simplicidade da cor preta e como ela transmite tanto sem ter aparentemente nada.
O sol enfraquecido se põe ao longo da pista e, nos fones de ouvido, a complexidade e beleza do Funk Como Le Gusta. Penso tanto... Logo não sei o quão existo realmente.
Resolvo entrar no parque, pra dar uma, ou quem sabe duas, voltas em uma lagoa rodeada por árvores. Corro olhando baixo. Pura besteira, começo a olhar as copas das árvores... nuvens intercalam com a cor verde das folhas e eu sinto uma possibilidade de estar no meio do mato, mesmo estando na cidade.
As nuvens formam figuras diversas.. mas não posso perder o chão.
Retomo a pista. Por vezes me sentindo saudável, por vezes cansado e pensando no motivo de estar me exercitando e no quanto as pessoas piram nisso. Eu mesmo já pirei, fui rato de academia e me achava o máximo.

Saindo do parque dou de cara com um muro onde está pichado: "você está acordado?".
Pior que não saber responder esta questão é não saber se a resposta iria ser a correta... fujo de qualquer alucinógeno possível já que essa vida é aventurada o suficiente pra me tirar do eixo mais calibrado possível.
Mas nada que uma respirada mais profunda não traga novamente ao chão de piche que me encara ferozmente, como se desafiando a minha resistência, o meu fôlego.

Penso que não vou conseguir completar o percurso de 5Km dessa vez... Mas se tem algo que eu mais tenho além da persistência, é a teimosia. Se o piche me desafiou, lá vou eu completar a minha meta e ele vai ter de se consolar com a derrota.
O percurso solitário é um desafio, me desculpem se isto soar com arrogância, para os fortes.
Tanto faz se você estiver mais preocupado com os sucessos de sertanejo universitário que tocam (acredito eu) insistentemente nas rádios ou se ainda escuta AC/DC e John Fogerty. Tanto faz se a sua roupa custou mil ou vinte reais. O que importa é o que você consegue transmitir.

Chego em casa, feliz por completar minha meta. Exausto, além do normal.
Me alongo e penso para quantas pessoas sorri neste dia. Acho que cumpri minha meta.
Se não cumpri, tenho amanhã pra tentar de novo.