quinta-feira, 18 de abril de 2013

Pela fechadura

Pensou ter visto alguém passar. Chegou mais perto da porta, o corredor estava escuro pois não conseguia dormir com nenhuma luz ligada. Foi bem perto da fresta que se apresentava pra fora do quarto e colocou o rosto pra fora. Fitou um tempo o escuro.

Seus olhos se acostumavam com a escuridão da sala enquanto pensava ser coisa da sua cabeça. Mas a confirmação era um desafio. Sempre intriga um vulto dentro da sua própria casa. De fato, seus olhos não se acostumavam muito bem com a falta de iluminação.

Voltou, fechou a porta e caminhou até a cama. Pensativo. Mas uma pequena luz adentrou pela fechadura da porta. E sumiu. Correu até a porta e colocou um dos olhos na fechadura. Podia ver, e claro que não acreditava nisso, uma cena quase que burlesca. Cinta liga, meia calça, apenas. Na pequena poltrona da sala a mulher de pele lisa e macia se divertia sozinha.

Quase abriu a porta. Mas preferiu observar. A mulher estava na sua poltrona, aquela de assistir TV. E tocava-se quase que com perfeição. Coçou os olhos, que ardiam por não piscar diante da cena. Estar louco é bem diferente de ser louco. E foi nesse primeiro pensamento que acreditou estar bem longe da realidade.

Do outro lado da fechadura, não muito longe dali, aquela mulher ousada apoiava-se com uma das pernas no braço da cadeira. Divertia-se como se estivesse em sua própria casa, vez ou outra olhava em direção à porta, com vontade.

Do lado de trás da fechadura, sentia uma enorme vontade de abri-la. Por pouco não o fez. Tinha medo de aquela mulher na poltrona fosse embora, nunca mais voltasse. Enxergou unhas pintadas, que iam e vinham em movimentos orquestrados, excitantes. As mãos e nada mais. Desempenhavam um papel que ninguém mais ou nada mais poderia cumprir.

Vidrado, de boca aberta, concentrava-se e entrava na mesma onda gostosa da mulher enigmática. Ela parecia sentir o que ele sentia, tocar onde ele queria tocar. Foi assim que ficava mais à vontade, sorria de lado, apoiava as duas pernas nos braços da poltrona e olhava diretamente para a fechadura da porta.

Não era para a porta ou para a direção. Era nos olhos dele, do lado de dentro. Onde queria que ela estivesse.

E mesmo estando separados por alguns metros e uma porta fechada, a energia podia ser sentida, o calor e o suor. O movimento dos lábios e da língua aguçavam os sentidos e seus olhos, ela sabia o que fazer, entendia de alguma forma aquele poder. Jogou a cabeça pra trás, de leve. E assim ficou por mais um tempo. Mãos, unhas, cheiro e pele formavam aquela cena toda. Suspirou forte.

Do lado de trás da porta, também ofegante, conseguiu fechar os olhos por um segundo. Quanto os abriu novamente, ela não estava mais lá. A burlesca sabia que não podia alcançá-la. A burlesca sabia o que fazer e o fazia bem. Até de longe, levava jeito.