domingo, 19 de agosto de 2012

Personagem

Por certo, seu gosto refinado fazia com que aromas dos mais porcos tornassem perfume dos mais suaves quando bem entendia. Uma estranha obsessão por ler as coisas de trás pra frente e por números múltiplos de nove o mantinham na linha da calma durante tempo integral.

Fazia-se entender em público perfeitamente, quando expressava-se de forma adequada às normas da sociedade. Aliás, seu discurso era impecável como o de um candidato a presidência. Talvez pelo fato de dizer coisas ordenadamente, porém, não necessariamente fazendo sentido algum. Convencia.

Atraíam-no loiras, às vezes morenas. Menos as ruivas e tentava fazer-se entender o motivo dessa complicação ao chegar no prostíbulo mais próximo. Vez ou outra a lembrança em imagem de uma batina com melenas ruivas se apossava de seus pensamentos. O toque enjoativo daquele padre em seu corpo frágil e nu, seu corpo de criança.. Talvez as informações cruzassem neste ponto. Ainda assim, mantinha-se hétero. Mas não frequentava a igreja desde que atingira a maioridade.

Seus costumes eram preferencialmente escuros, revezando entre tons de cinza, preto e marrom. Hábitos noturnos. Digestão lenta e imprecisa. Frequentemente encontrava-se com dores abdominais, fruto de um recorte mais preciso de seu talento para a cozinha. Especialmente comidas cheias de gordura e cremes.

No seu dia-a-dia fazia de seus horários de trabalho, um meio fácil e divertido de ganhar um dinheiro derivado de figuras públicas. Figuras escrotas.

Trabalhava nos bastidores de um esquema simples e corrompido. Pessoas ligavam-se obrigatoriamente a ele, vez ou outra, por ser parte essencial em uma equipe de chantagistas profissionais. Mas preferia trabalhar sozinho, assim como divertia-se nas horas vagas.

Quando menos se espera, você cruza com ele em um corredor movimentado do shopping, mais precisamente em frente a vitrine de batedeiras elétricas, mesmo sem saber que colecionava diversos modelos e cores destas peças. Lembrava sua mãe, confeiteira de primeira mão.

Quando calado, cidadão comum. Quando falante, persuasivo em seus versos e referências poéticas, muitas das quais inventava as frases e autores. Mas você não ousaria duvidar de sua precisão com as entonações de voz que oscilavam milimetricamente por entre a língua e dentes amarelados pelo fumo de charutos.

E pode, ainda, encontrá-lo.
Se tiver a sorte de não ser por motivos profissionais, deleite-se com um discurso redundante e seus gestos desengonçados. Ria por dentro, mas não ouse demonstrar seu riso por fora. Ele cozinha bem.. e nunca se soube a procedência exata da carne do seu estrogonofe.