terça-feira, 2 de outubro de 2012

Josias

O último trago no último cigarro do dia. Mentolado. Deviam proibir essas merdas..
Josias tinha uma certa afeição por formas claras e hipocondria da vida. O medo lhe tomava todas as entranhas e fantasias, assim como a obsessão pela masturbação.
De longe, um homem normal, mas quieto. Cara de quem tem muitos segredos guardados.
Bom, ter, tinha. Mas ninguém sabia.

Depois de ter virado corno, era  fato que sua feição dava dó ao homem mais ingênuo e afeminado do mundo. Mas até que a galhada lhe servia bem.
Descobriu assim: ao chegar em casa do trabalho notou que sua mulher, como havia acontecendo frequentemente, ainda não havia chegado. Conferiu a secretária eletrônica (sim, estamos no século vinte e um, mas Josias ainda não), deu um tapa em sua bituca de baseado e ligou o computador.
Por uma distração estúpida, ou seria proposital, de sua mulher, lá  estava a caixa de e-mails aberta, logada, suja e sacana. Palavras descreviam noites ininterruptas de uma paixão calorosa que, pelas contas de Josias, estava fazendo aniversário de oito meses.

Oito meses. Agora imagine só qual é o número que Josias nem pode ver pela frente...
Descobriu assim, pronto. Esperou sua mulher chegar para lhe fazer as malas.
Mas esqueceu que o mal-sucedido era ele e o apartamento, dela.
Despejado e envergonhado, Josias aceitou a situação e perguntou se poderia ficar por mais um tempo até se estabilizar. Júlia deixou. Mas agora levava o amante para seu quarto.
Josias viajava imerso num sentimento tragicômico sem explicação. Às vezes ouvia os gemidos do quarto ao lado. Ora ouvia somente uma longa conversa, o que nunca havia feito com Júlia.

De tanto fazer terapia, o próprio psicólogo ligava pra pedir conselhos e avisar que havia chegado erva da sua estufa particular.
Internamente havia um buraco em Josias. Mas ninguém perguntava, ninguém sabia.
Era mais um uniformizado na empresa que chegava cedo no setor, saía tarde. Não se divertia no coletivo.
Por essas e outras razões começou a ter certo gosto pela morte.
O problema é que era a morte dos outros. Ou melhor, das outras.

Josias conseguiu seu primeiro trinta-e-oito com o psicólogo, que substituiu algumas das sessões de terapia por aulas de tiro. Ficou tão bom no assunto que logo estava treinando com alvos móveis, caçando pássaros e coelhos.
Conservou todo o seu desejo por suspense pra usar depois.
E foi assim, depois de levar sua primeira vítima ao motel mais próximo, fizeram sexo, conversaram, ela lhe deu atenção e ele a pediu que lhe chamasse de corno.
Claro que ela recusou, mas a insistência de Josias a fez dizer. Com um estampido abafado se afastou, incrédulo e sem reação. Pintou o número oito no abdômen da vítima com um pincel atômico e fez um smile em baixo, pra descontrair o ambiente.

Degustava uma sensação de medo, dor, alívio, sinceridade... quem era Josias? Se perguntou por mais trinta minutos até que chamou ao telefone, a carta de vinhos. Pediu o mais caro e deliciou-se. Olhava a mórbida cena.
Bizarra e grotesca.
Mas de certa forma havia achado o que procurava há tanto tempo.
De corno para doido varrido psicopata... ou não seria um doido?
Uma já havia sido...restavam sete. Mas por que raios tanto trauma com a galhada?!

Assim Josias começou o seu novo "trabalho". Sempre de formas diferentes.
Até hoje não sabem que é o seu rosto bobo e seu corpo franzino a última visão das vítimas.
E nem vão desconfiar.
Mas este, leitor, é segredo nosso.
Josias nem faz ideia que eu contei seu maior segredo a vocês.

E fim.