segunda-feira, 9 de julho de 2012

Cadeira de Cabaré

Uma música antiga no rádio a fez lembrar da última vez que tinha se libertado daquelas amarras. Espartilho, cinta-liga, renda firme. Nada como relembrar os tempos no cabaré.. Por um lado escondia, pelo outro sentia orgulho.
Aquelas marcas na pele, as rugas, dobras e calos juntavam-se para impulsionar a cadeira de balanço na varanda do quintal, de onde avistava vários outros como ela, também balançando suas fiéis cadeiras. Não mais as cadeiras de antigamente.. as suas... agora eram cadeiras de madeira que rangiam ao menor dos movimentos.

Esbórnia máxima agora era o momento da integração entre os novos habitantes, aniversariantes e da distribuição de cigarro. Sabia que a cerveja era sem álcool e o vinho era suco de uva integral...
Mas não tirava a alegria daqueles que acreditavam se embebedar e dançavam com suas bengalas ao alto, em pares, sempre ao ritmo da valsa antiga que, provavelmente, ainda lhes soava nos ouvidos. Orelhas grandes.. dizem que estas nunca param de crescer.
Pela escolha da histeria antiga, acabava ali sentada na cadeira de balanço durante o sol matinal que não gostava de compartilhar com muitas pessoas... mas observava sobre o que conversavam.
Tinha faro bom e afiado pra filtrar as histórias de gente antiga como ela. A maioria aumentava muitos pontos nos contos infindáveis sobre boemias e noitadas... só ela realmente sabia como era ser boêmia.


Escritores, intelectuais, médicos, advogados, vagabundos... todos esses tipos passaram por seus seios rijos de amor. Alguns em busca de amor, outros de prazeres, outros tantos de um colo pra chorar.. Sim, nem tudo era farra.
Alguns aqui e ali pagavam a bebida para o bar todo e nestas noites, quando a coisa começava assim, só terminava ao meio-dia da próxima tarde.
Quando a idade chegou, lembra-se bem, ninguém lhe dava créditos pelas escolhas erradas, teoricamente, porém certeiras, quem sabe.. Levaram-na para um asilo "ajeitadinho", como ela mesma costumava chamar.
E percebeu que, independente da marca de colas para dentadura dos velhos, compartilhavam em conjunto a solidão que assolava suas mentes durante a noite. Durante o dia, a partilha da mesa nas refeições e a divisão dos quartos.
Quase que uma prisão domiciliar, pensava. Observava como ainda era possível sorrir, com ou sem dentadura, sem o medo de mostrar as rugas que a vida lhe causou, seja por bem ou mal, ou apenas pelo movimento natural da pele que luta contra a gravidade de Newton.
Assim como lutamos contra muitas coisas durante a vida toda para somente lá na ponta da estrada percebermos que nem tudo valia tanto a pena assim perder seus valiosos minutos.
Mas pronto, mais um segundo e já passou.


Só que parecia que todos ali estavam juntos por um motivo de descoberta. Claro que sem querer. Mas todos queriam descobrir novamente como era viver.. de uma forma bonita.
É como que se o direito virasse obrigação e o mundo lá fora largasse os vícios, as questões banais e se abraçassem dentro do limite em que o andador permitisse o afago.
Já não importava mais se vinha do cabaré, da padaria ou do escritório. Todos compartilhavam marcas da vida, seja o caminho que escolheram..


E a esbórnia antiga tornou-se uma mera fase que não queria esquecer.. mas só lembrar com carinho que a vida passa. Ela tinha feito o que gostava, sem sequer magoar ninguém... "isso valeu..." pensou enquanto o balanço da cadeira rangente largava em seus braços uma dançarina doce de cabaré, com a tranquilidade de uma bailarina a passos leves. E na ponta dos pés, no seu silêncio não mais perturbador, deixou-se levar para os tais julgamentos que se espera encontrar quanto o vento não mais sopra, a cadeira não mais balança....