sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cabaret

Pior que não dormir por algumas noites, foi acordar em um lugar onde não era fácil de assimilar as coisas..
Foi mais ou menos assim:

Após 48hs acordado desnecessariamente para fazer não-sei-o-que, finalmente pego no sono.
Particularidades à parte, me lembro de deitar a cabeça no travesseiro e dar uma breve resmungada, como que numa prece de uma palavra só, não sei o que disse.
Demorou um tempo, não sei quanto, acordo com o som estrondoso de Satisfaction, nas mãos exibo um Dona Flor Gran Corona e puxo sua fumaça sem a minha própria permissão.. Me parecia ser eu, mas não sendo.
Dou uma baforada e percebo as coisas ao meu redor.. Uma pista de lap dance, gelo seco, lugar lotado de pessoas que aparentavam a alta classe, políticos talvez, um rock'n'roll clássico na vitrola, charutos pra todo o lado, um homem vestido de abade (ou seria um de verdade?) e junto dele, um anão com colete de couro e pose de motoqueiro selvagem. Dentro do possível, claro.
Sentia uma alegria quase que anestésica e, vez ou outra, a visão embaçava.. Percebo a mesa debaixo do meu nariz.. A garrafa de uísque está dois terços vazia e meu copo já com o gelo derretido suava em minha mão desocupada.
Percebo também uma protuberância estranha, eu tinha uma barriga enorme! Porra, uma barriga que eu não tinha antes de dormir! Ou será que não dormia?
Foi nesse momento que um toque de lucidez veio a mim e me dei um tapa na cara, que percebi ser gorda com a barba por fazer. Não adiantou, aquela talvez fosse a minha vida mesmo. Bela bosta.
Uma moça de vestido preto se aproxima, me entrega um bolo de dinheiro, notas de cem, me da um beijo no rosto e sai cantarolando. Acho que cantarolava... ou rebolava?.. havia um pouco de confusão na minha cabeça barbada e gorda.
Penso em levantar quando.. o volume da música aumenta e a loira invade o palco da luxúria iniciando com destreza sua sessão de lap dance. Era a vez dela.
Antes que pudesse me levantar, começam a chegar supostas pessoas de devida importância, exibindo seus caros Ermenegildos Zegna e dotados de umas caras de velhos beberrões.
Deviam ser ninguém de mais nem de menos. Ostentadores fajutos e drogadinhos.
Percebo que levantar está difícil e aceito a condição imposta pelo uísque e pela barriga. Acendo outro Gran Corona. Mesmo sem saber se gostava ou não.
Avisto a moça do dinheiro e resolvo chamá-la de canto pra tentar tirar alguma informação. Ela chega, senta-se no meu colo e pergunta o que quero. Digo que quero saber quem eu sou.
Ela ri e canta em meu ouvido:
- De novo, Simba?
- Quem?
- Quem o que, querido?
- Nada.. deve ser uma crise existencial.. Onde eu estou?
Depois dessa foi só uma gargalhada e uma lambida na orelha.. levantou-se e sumiu em meio à fumaça das baforadas de charuto.

Tento me concentrar. Vamos lá, onde estou... Simba? Porra, Simba é mancada..
Esqueça o nome, pensei, se concentra no que você se lembra.
E de nada me lembrava...
Uns homens de preto entram. Engatilham seus fuzis e começam a atirar, depredar, quebrar tudo.
Vários homens de terno caindo a minha frente e eu quieto, me sentido muito confortável com aquela situação.. não parei de puxar o Gran Corona e até ria morbidamente, por dentro.
Os caras do fuzil se dirigem a mim.. nesse momento toca Wake Up, do RATM. Me senti no Matrix...
eles vindo e eu me levanto, pela primeira vez, com destreza e ignorando as limitações da minha barriga grande, pesada e flácida pulando no ritmo da música.
Retiro duas automáticas da parte de trás da calça jeans.. derrubo o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto. O quinto se apavora com a minha voracidade. Tenta correr mas eu o alcanço.
Chego perto dele e pergunto:
- Quem sou eu??!?
- Não me mata, não me mata, senhor!
- Quem sou eu, porra?!?!
- Não me mata, não me mat...
- Vou matar se não me contar! Cacete, fala quem sou eu!
- O senhor é o Simba Sinistrol, o mestre dos disfarçes, o Chuck Norris da máfia internacional..
- O "quem"?
- O mestre dos mestres, agora, por favor, não me mata!
- Matar é o cacete, meu filho. Mas me diz uma coisa, há quanto tempo que eu mexo com isso?
- É uma tradição de família, senhor! Conhecimentos transmitidos por sua mãe, a bigoduda de Sevilha!
- Porra, você ta tirando onda com a minha mãe, maluco?!?
- Desculpe senhor!
- Tenho cara de soldado agora?? Senhor é o cacete. Me chama de Sinistrol.. que é melhor que Simba.. E sai da minha frente pra não sobrar pra tu também!

Sinto um devaneio, tudo gira, sento-me ao chão e me sintro dentro de um furacão de pensamentos, pessoas, vozes, sons, toques e um forte cheiro de....
Baba!
Acordo babando ao travesseiro.
Ligo pra insônia, fecho o pacote com plano completo e assistência 24hs.
Acho mais seguro não dormir por mais uns meses..